quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O HÓSPEDE

A saudade brilha em meu coração. Estou há uma semana longe de casa, hospedada em um belo e antigo hotel no centro de Buenos Aires. O hall de entrada é minha varanda particular: me divirto analisando funcionários e turistas. E ali o vejo pela primeira vez. É bem cedo, chove. Ele atravessa a porta giratória lentamente. Alto, magro, traz um buquê e uma caixa de bombons na mão direita. Debruça-se sobre o balcão, limpa o rosto com o lenço, como se isso afastasse o cansaço da noite mal dormida.

A recepcionista o cumprimenta com um mecânico bom dia. Ele responde que procura por Helena. “Ela deve ter avisado que eu chegaria hoje”. A atendente acena com a cabeça positivamente e lhe entrega a chave do quarto 22. Ele vai até a mesa de jornais e revistas, quer se informar antes do café. Eu o examino e, ao mesmo tempo, admiro aquele que é meu escritor favorito.

Penso em pedir um autógrafo, já que estou com um de seus livros nas mãos. Posso comentar algo a respeito da história, ou, quem sabe, puxar assunto sobre cachorro, li em uma revista que ele adora animais. Observo meu rosto no espelhinho que sempre carrego no bolso. Minhas rugas estão especialmente enormes esta manhã. “A gravidade, essa vadia sem coração”, penso. Quero ir até lá. Mas não. Fico paralisada, agarrada àquelas páginas, como se fossem o antigo testamento roubado do Vaticano.

Eu o estudo com visível desassossego, despertando a curiosidade de uma senhora no sofá ao lado. Nem me preocupo com a retaliação. Em outros tempos, disfarçaria o inconveniente, mas não naquela manhã. “Helena... é o nome da esposa!”, lembro-me de que todos os seus livros, todos, são dedicados a essa tal. “À Helena, minha fonte de inspiração”. “Ao meu amor, sempre Helena”. “Para Helena, que não deixou que eu morresse”: leio nas primeiras páginas que carrego. Essa lembrança desencadeia uma reação em mim que não será exagero classificar de terrível. Eu tento compreender como aquele homem é capaz de aguentar a sujeita, ofertar-lhe flores e chocolates, dedicar-lhe seus livros e amá-la...

Meus olhos viajam entre a figura do escritor, a capa do livro, a dedicatória, o nome de Helena. Me lembro porque gosto tanto desse autor. É como se aquele escritor, um exemplar raro, que eu não conheço e que ao mesmo tempo faz parte da minha vida de bibliotecas, livrarias e histórias, me tirasse para dançar sem eu nunca ter saído da poltrona.

outubro/2012 - oficina com Áurea Rampazzo

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