quinta-feira, 29 de novembro de 2012

MICROCONTO DA MULHER QUE ERA INCAPAZ DE ALIVIAR SEU PRÓPRIO SOFRIMENTO MESMO COM TODAS AS TENTATIVAS

Ela tinha uma vida breve e uma dor que não respeitava a cancela.

novembro/2012

OCEANO (MEU NOME AQUI)


Há uma brutalidade que me paralisa
mas o mundo continua girando.
Ainda que eu grite, exagere nos palavrões,
nada é capaz aliviar meu coração.
A não ser você.
Não adianta chorar: já tentei.
O máximo que acontece é sentir estrelas escorrendo do meu silêncio.
Sou um mar salgado e aflito.
Olhar por cima dos óculos embaçados de ser triste,
sem conseguir tirar o pó dos dias,
isso já te aconteceu?
Só desejo mesmo viver a inteireza de tudo.
Não sei fazer nada pela metade;
nem andar pelo meio fio ou tocar-te apenas na orla da roupa.
Conheço muitas pessoas que conseguem e são estranhamente felizes.
Chego a ter inveja de gente assim.
Azar o meu.

novembro/2012

sábado, 24 de novembro de 2012

MINICONTO DO ADEUS

"Estou fora dos padrões e por isso você me confundiu. Acredito ser esta, a única explicação para esse desenrolar, uma vez que a sinceridade permeava meu afeto. Pensa, por um momento, você que me conhece bem: haveria maior castigo do que nunca, nunca mais me ver sorrir? Pois saiba que não acenarei pra ti nem enviarei cartão de boas festas. Nunca mais mirarás meu olhar em tua vida inteira.
Tornei-me estranha para o teu mundo."

Ela deixou o bilhete embaixo da porta do sujeito logo após descobrir a mentira que arrastou para longe daquelas vidas encontradas, a lealdade e a confiança. E ele realmente nunca mais a observou, nem soube se foi uma linda mãe, ou se continuou estudando, se ainda dançava, se permanecia passando as noites lendo poesia, se comia chocolate. Nem ouviu a voz dela na maturidade. Nem viu seu rosto. Toda a água que ela lhe deu, ele usou a irrigar outros jardins, e toda história é remorso.

novembro/2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

POETA CLANDESTINO

*Para Leonardo Só

Se uma ave fende o céu num rompante,
esse pássaro vadio,
já isso seria motivo para poema.
A natureza, corrosiva e feliz,
é matéria prima.
Ele agrega o amor pungido e a solidão,
irmãos que são,
num investimento de formas improváveis,
em manhãs que nunca sorriram
ou em noites que sonham em se casar.
Deus lhe deu o dom porque mereceu.
A severidade da realidade
ou a magia do sonho:
impossível identificar a diferença
tamanha brisa que flui desses seus segredos não mais secretos.
Autodenomina-se clandestino.
Podes ser oculto em tudo,
menos nessa extrema poesia.

novembro/2012

MICROCONTO DO RATO QUE FINGIA SER UM HOMEM

Quanto mais ele se disfarçava,
mais parecia a si próprio.

novembro/2012

DECEPÇÃO

Ingênua eu sou ao pensar
que o ser humano nasceu com um pacote de bondade,
e que por livre e espontânea vontade é capaz de evoluir.
Pela própria natureza, ninguém melhora.

Infeliz daquele que põe confiança no outro,
considerando o retorno dessa lealdade como o ouro,
uma fogueira, um portão.
A decepção é um incêndio que consome a terra,
desaloja os animais, mata as plantas,
deposita negro veludo por toda parte.

Cruel.
Apostar na honestidade de uma pessoa
é uma forma de chantagem, no mínimo,
repugnante.

Clamo pelo fim do inimigo,
pelo tempo da colheita, pela chuva serôdia.
Minha ingenuidade é tão burra quanto minha falta de fé,
por isso não consigo respirar o momento da vida presente.
Meu coração se esconde à moda dos bichos caçados.

novembro/2012

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O TEMPO PAROU POR UM INSTANTE

Sentei-me naquela cadeira giratória e rodei.
Rodei, rodei, rodei.
Senti meus cabelos no ar.
Meus pé saíram do chão.
Vento, vento, vento. Porta, janela, porta.
Continuei rodopiando, ensandecida em meus pensamentos.
Parecia pileque.
Por um momento, esqueci de tudo:
de você, do carro estacionado em lugar proibido.
O mundo em redemoinho e eu, em total felicidade.
Vento, vento, vento.
Meus olhos sem lágrimas de tanta ventania.
Eu flutuava.
Costumava fazer isso quando criança: rodear em torno de mim mesma até cair de cansaço ou tontura.
Vento, vento, vento.
Não sou mais menina,
mas queria perpetuar esse momento de total liberdade.

novembro/2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A CURIOSIDADE MATOU MINHA FELICIDADE

Olhei pelo buraco da fechadura de teu coração e levei um susto.
Não gostei do que ví.
Procurei, procurei, e não me encontrei.
Era um coração repleto de coisas, cheio de pessoas, sonhos, viagens.
Mas não havia nenhuma cadeira reservada com meu nome.
Todas as vagas de estacionamento estavam ocupadas.
Os carrinhos de supermercado lotados de bugigangas.
Os chinelos tinham pés dentro.
Afastei-me dessa porta por um momento.
Senti-me despreparada para verdade. Descobri, que, no fundo, sempre estamos.
Perguntei a mim mesma: por que esse espírito de repórter?
Esqueci-me de que, às vezes, a ignorância é uma bênção
e a ficção me desperta do sonho da minha vida.
Minha vó já havia me avisado um dia:
a curiosidade nem sempre nos faz feliz.

novembro/2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ESTADO DE EMERGÊNCIA


Nomeio, então, medidas urgentes para preservar minha felicidade interior.
Declaro que tudo será sem reservas.
Delimito o que sinto somente a meu favor.

Enquanto a esperança se foi para a maioria,
alegro-me porque simplesmente creio.
Desprendo-me do que considero ser real.
Sou incapaz de fazer escolhas sensatas.
E por isso dependo cada dia mais de Ti.

Amo-te porque Tu não me aborreces,
nem me engrandeces,
disso não me escondo.
Recebo tuas palavras e elas são macias como manteiga,
brandas como o azeite.

Sinto dores nos ossos.
Meu corpo a envelhecer.
Sou um espírito jovem preso nesta carne.

novembro/2012

DEIXA-ME VIVER NO CAOS

Minha aflição é maior que a sua
e sempre será.
O mundo é dos desesperados.
E salve-se quem puder.

novembro/2012

terça-feira, 6 de novembro de 2012

SONHEI COM A TUA MÃO

Sonhei que a tua mão me abraçava.
Ela era morna e parecia algodão, tinha cheiro de brigadeiro.
Tua mão me levou para passear.
Refrescou meu rosto com a água da cachoeira quando bateu o calor.
Me carregou no primeiro suspiro de cansaço que esbocei.
Sonhei que a  tua mão colocava um anel em meu dedo, e eu estava no banho.
Fiz um cabelo de espuma e um bigode de sabonete.
Tua mão escreveu um poema pra mim no espelho embaçado. Eu achei lindo.
Sonhei que a tua mão me acenava.
Ela balançou um lenço, jogou uma flor, estalou um beijo.
Tua mão virava as páginas do meu livro preferido para que eu continuasse a história.
Tua mão fazia massagem no meu rosto.
Ela era macia e demonstrava o quanto você deseja me pertencer.
Sonhei que a tua mão repousava sobre o meu travesseiro.
E eu adormeci sobre ela.

novembro/2012 


LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE AS DIFICULDADES

Oi Paulinho, há quanto tempo... Ando meio desligada... Sinto-me até absorta de tão incapaz de resolver meus próprios dramas. Inútil eu sou ao escolher sempre o pior, a ter o dedo "podre" para o salamê minguê, arriscar no sabor do sorvete mesmo sabendo que tenho mão pantanosa. Queria ser superpoderosa e ter as soluções para todas as coisas, sem pestanejar. Tenho inveja de gente assim. Tu és assim, Paulo? Conseguirei um dia dar respostas negativas sabendo que é o correto, mesmo minha carne desejando dizer sim? Cansarei-me de perguntas e me entregarei de uma vez por todas à realidade? Terei coragem de me concentrar nos problemas e dizer "não" ao que me causa dano mesmo que aparentemente pareça imprescindível?


Querida, a vida é nada sem desentendimentos, problemas e dificuldades.

Problemas não se resolvem,
problemas têm família grande.
E aos domingos, saem todos a passear.
O problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

UM AMOR INÚTIL

Infeliz daqueles que buscam um amor profíquo. Amar não foi feito para ter utilidade. Não se arremeda, impossível trazer apenas satisfação e alegria, porque carrega consigo o estrago. Mas há o lado bom, e é sobre isso que escrevo agora.

Busco o amor, não somente uma pessoa. O amor estará em alguém; isso é fato.
Não tem que haver aproveitamento ou eficiência; isso é a própria escravidão.
Procuro a inutilidade do Amor.

Gosto da ociosidade do amor descoberto: do não falar no silêncio; da ausência de pedidos quando a luz se apaga; do entrelaçamento das mãos quando não há juras nem areia escorrendo por entre os dedos;  de serenar mesmo quando ainda está garoando.

Me apetece estar ao teu lado com a tv ligada, sem som. Apenas aquela luz azul inundando a nossa noite, parecendo dia de sol.
Quero amar sem a necessidade de amar.
Aprecio a futilidade do amor.
Os melhores momentos serão os supérfluos. Me lembrarei de todos eles, com detalhes.

Carrego esse amor na cadeira de balanço, no embalo das gargalhadas de um cotidiano qualquer.
Suspiro o desnecessário como se fosse urgente.
Ambiciono passar o dedo no creme do sonho desse bem querer.

Quero um amor descalço.
Desejo um amor inútil.
O tempo arrastando e a gente criando raiz no outro.

novembro/2012

LISTA DE INCONVENIÊNCIAS

- Acordar alguém no meio do sonho.
- Praticar leitura labial com a conversa alheia.
- Encher de detalhes uma história simples.
- Raspar a calda do pudim sem pensar no outro.
- Impedir o cochilo de qualquer pessoa que seja.
- Dar opinião durante um desabafo.
- Vender livro autografado.
- Despertar discussão sem motivo.
- Ignorar cachorro abanando o rabo.
- Ignorar o gato massageando o tornozelo.
- Ignorar a Deus.
- Interromper meu sono.

novembro/2012 - Da série "Listas que pegaram delírio"