quarta-feira, 29 de agosto de 2012

BEM MELHOR QUE VOCÊ

Minha pele é melhor do que a sua,
acho que tenho mais poros que você.
Por isso, respiro soberanamente.
Tenho certeza de que o cheiro do café é mais insinuante perto de mim.
Possuo costas fortes.
E não me admira descobrir que minha concentração é mais clara, definida, mais obtusa, talvez até mais eficiente.
Sinto-me aliviada por gostar de ti e não suportar o teu amor sobre os meus ombros.
Creio, assim, seja mais fácil a caminhada.
Sigo leve, meu sentimento a tira-colo.
Sou mais interessante, quiçá sublime.
Não finjo e nem me engano.
Choro porque estou com raiva.
Choro com força por tudo que eu quero.
E sempre estou por dentro de ti porque meu olhar é demorado.
Sou assim, talvez, porque desconfio de quem me observa de qualquer maneira.
Não que você não me mereça. Não que eu não sirva pra ti.
Não é nada disso.
Apenas sou bem melhor que você, bem melhor...

agosto/2012

MEIO CHEIA DE TUDO

Há dias em que meu rosto amanhece nublado e eu preciso de um toque.
Uma palavrinha besta, um abraço mais ou menos apertado, um beijo na testa.
Qualquer gentileza de propósito serve.
É uma ausência de tanta coisa...
Não é só o receio de escorregar, nem de cair.
É temor de sentir o sangue na boca depois de arrebentá-la no chão.
Não costumo ser medrosa com isso - tenho pavor mesmo é de barata, de assalto, da indiferença.
Mas como eu ia dizendo, neste dia eu sinto falta é de um carinho.
Uma borboleta saracuteando por perto, atrapalhando-me ao caminhar, já isso seria bom.
Hoje eu estou assim... um pouco neblina, um pouco apagada, um pouco sem saco pra nada.

agosto/2012

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

BONS TEMPOS...

Eu sou do tempo em que as pessoas se telefonavam de casa.
Que se sabia receber elogio tal qual ele é: uma gentileza.
Que fingir interesse era coisa de gente de sangue ruim.
Que pedir exclusividade era natural.
Sou da era em que as drogas se resumiam a maconha, cocaína e heroína.
Que não se pagava 300 reais para ver alguém no palco.
Que com duas moedinhas era possível comprar uma café na padaria.
Que não havia morte nos desenhos animados.
Sou da época em que amizade já vinha de mala pronta.
Que pedir desculpas era gesto nobre, não fraqueza.
Em que relacionamentos não eram descartáveis.
Que as pessoas não eram descartáveis.
Sou do tempo em que o amor não se adquiria no atacado pois era raro de se encontrar. Bem... tem coisas que definitivamente não mudam.

agosto/2012

  

MINICONTO DO MENTIROSO

Lavou o rosto e começou a mentir naquele dia.
Esta era a sua rotina: iludir, enganar, defraudar, fazer-se de sonso.
Já fazia parte da pele.
Sentia-se até mal quando passava o período sem a oportunidade de uma mentirinha, uma qualquer, uma quase sem consequência.
Bom mesmo era inventar uma história mirabolante, daquelas de encher os olhos alheios de surpresa.
Suas vítimas eram escolhidas a dedo.
Egoísta e cuidadoso, era inteligente, tinha lábia.
Primeiro, fazia sentirem-se especiais e únicas. Invencionice dele. Mal sabiam as coitadas das pessoas que nem número possuíam. Eram as próprias sem-memória, descartáveis, passadas para trás.
O prazer desse mentiroso era criar um sofrimento falso para ele e totalmente real para os outros.

agosto/2012

QUEM PODERÁ ME DEFENDER?

Encantar-se por alguém: isso é realmente incômodo. A determinada alma torna-se prioridade - ainda que momentaneamente. Encantar-se fica bem no meio-termo entre passar batido e apaixonar-se. E eu tenho medo, muito medo de tudo isso. Ao te encantares dá-se tudo por alguém: tempo, dinheiro, atenção, nosso corpo. Anotamos em cadernos as mínimas coisas que são ditas, registramos os segredos como semi-joias, repescamos fatos em nosso passado só para dizer que temos algo em comum. A gente jura que não sabe como começou... mas se apavora só de pensa como pode terminar. E a única forma de não deixar se escravizar é apaixonar-se por outra pessoa. Oh céus!!!

agosto/2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

COISAS QUE EU APRENDI

Aprendi com o tempo que nem tudo tem resposta.
Descobri que há coisas que são mesmo inalcançáveis.
Percebi que ainda fico boquiaberta por te admirar demais,
fico assim quase fraca, quase sem ar.
Perco espaço no desejo de acertar.
Entendi que podemos ser o que somos, enfim.
Soube das minhas experiências futuras o que não desejo ainda,
embora isso não faça muita diferença no cerne do sofrimento.
Compreendi que nos dias bons tudo tem solução.
Nos dias ruins, não há o que fazer.

agosto/2012

REVISITANDO-ME

Não serei mais escravizada pela rotina.
O título de cidadã mais eficiente do mundo, esse eu deixo como herança.
Toda essa disponibilidade canalizo para os livros - é o que me interessa no momento.
Penso em revisitar minhas prioridades. Não, isso não quer dizer que as mudarei de lugar, pelo menos por enquanto.
Mas olhando para o mar, hoje eu me livraria de todos os meus meus planos só pra te abraçar.

agosto/2012

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

EU FIZ O QUE PUDE

Tentei abraçar a sorte mas ela me
e
 s
  c
    o
      r
       r
        e
          g
            o
              u
pelos braços.
Correu como água.......................................
Inutilmente, tentei  prendê-la com uma     a   u   s   ê   n   c   i    a    que me ilude.
Uma ausênc(  ).
Essa burrice que se repete em mim.
Combalida por um esforço inglório, -fiz o que pude, -fiz o que pude, -fiz o que pude.
Repito para não me esquecer de que eu fiz o que pude.
É uma pedra na consciência me lembrando de não seguir minha consciência da próxima vez. Minha consciência nega-se a si mesma. Ela é tão esperta que tem consciência que tomará a decisão errada.
Sabe também que é impossível voltar no tempo <<<<<<<<<<<<
para desfazer, desremediar, desdecidir, desaprender, desgostar.
Calo-me, então. Não servirei mais de pauta nem de chacota.
Não permitirei a mais ninguém perder tempo comigo.
Gasta-se tempo comigo e eu, ao contrário, invi$to em um poço sem fundo, em um bolso furado,
jogo em ações no pé da lista. Perco tempo e dinheiro e acho que estou abafando.
Me engano. Minto pra mim. Deixo-me de molho, em banho maria. Me demito sem direito a aviso-prévio.
O poeta já avisou: as possibilidades de felicidade são mesmo egoístas, meu amor.

agosto/2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

MEU NOME DORME

Não escreverei mais sobre ti nem sobre o amor.
Esta é a última vez.
Eu juro. Prometo (cruzando e beijando os dedos).
Mesmo que a poesia torne meu coração mais leve.
Cheguei à conclusão de que você nem merece tanto,
nem se interessa por essas palavras, nem por mim.
Toma essa moeda: faz um desejo, joga-a na fonte.
Tá vendo? Nem estou nesse pedido aí... é disso que estou falando.
Meu nome dorme para ti.
Com rivotril, prozac e diazepam.

agosto/2012

ESTÁ-ME NO SANGUE

todas as coisas estão bem
e de repente
chega o desejo e estraga tudo.
matutar em ti
é enjaular pensamentos;
ficar refém do I-Ching infame do celular, do e-mail.
só me resolvo quando te olho.
meu coração traz essa explosão,
é uma eclampsia de saudade.
está-me no sangue.
no meu sangue revestido de veludo.

Para escutar enquanto lê: Mão e luva

CONCLUSÃO

o dESEJO pRECEDE O bEIJO
oU sERÁ
aQUILO qUE nÃO vEJO?

agosto/2012

INDOLENTE

A mania do preguiçoso
é deixar passar a oportunidade do amor
porque dá muito trabalho...

agosto/2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE O BEIJO

Oi amigo. Hoje estava pensando que tudo ficaria mais fácil se resolvêssemos as situações com um beijo. Simples assim. A pessoa chega com aborrecimento e zás!, lasca-mo-lhe um beijo. Conta um segredo smack!, beijo. Se rebela contra o mundo, não há motivo melhor para zupt!, beijo. Você faz planos, o desejo chega e bagunça tudo, eis a solução: ziu! beijo. Um aborrecimento, um estresse desnecessário, oh céus, como resolver? Ah! Ploc! beijo. Para aqueles que pensam que são muitos espertos, nhac! beijo. Para outros que se submetem porque se acham somenos, swip! beijo. Lá vem ele se debulhando em lágrimas e, chuác! beijo. Pede alguma coisa pra eu fazer e, pumba! beijo. Para o romântico, ai, esse eu considero merecer um shhhh! beijo. Concordas comigo?



Querida,
beijos nos aproximam do céu. Mas cuidado...

Depois de muito meditar,
resolvi editar 
tudo o que o coração me ditar.




para ouvir enquanto lê:
Os Beijos

terça-feira, 14 de agosto de 2012

UMA MOÇA DE RESPEITO

Hoje procurei um cartório para registrar minha saudade. Nome e sobrenome. Ela é diferente, assim bonita, bem acabada, desejosa, com gosto de bala de morango. É uma saudade boa de doer. Filha só de mãe. Por isso, acho que ela merece ser alguém. Até porque ela existe só porque você existe. Pra ti, basta saber que ela há, que ela está, que ela permenece encastelada entre nuvens de algodão ou o fio da noite. A folia da minha saudade é ter você por perto. Aí, é sempre carnaval.

agosto/2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

HONESTAMENTE

Eu não sei querer-te menos.
Menos que totalmente.
Honestamente,
não posso dizer que consigo.
Acontece sem que eu perceba.
Como mosquito sugando meu sangue.

Eu não sei desejar pela metade.
Talvez você saiba,
talvez me ensine,
talvez sussurre
esse segredo em meus lábios.

Eu não sei andar a meio caminho.
Ainda que só receba argumentos contra.
Mas como argumentar contra a lógica
de um amor que já existe?

Eu não sei escrever pra ti,
não sei dedicar-me preciosamente,
não sei te entregar.
E minha ideia
é que esse poema flutue
até chegar à tua casa.

agosto/2012

LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE OS ERROS

Oi Paulo... Estou aqui de volta, contando as lasquinhas ou juntando esquirlas, como se diz em espanhol. Estou numa fase, digamos, curiosa pelo espanhol. Mas não, esse não é o nosso tema de hoje. Vou falar sobre meus erros e como, às vezes, eles tomam proporções gigantescas. Um cisco que vira pedregulho. Erros são gametas. Veja bem: mais fácil é ser covarde do que chegar na vida com o pé no peito. Há tempos atrás eu até debatia meus erros e acertos com algumas pessoas. Mas os conselhos eram sempre tão diferentes que me confundiam ainda mais. Atualmente, erro e pronto. Me precipito e pronto. Me antecipo e pronto. Às vezes dá certo... às vezes não... O fato beira o deboche, mas eu prefiro esgotar as possibilidades antes de me conformar.  Acho que não tenho vocação para o sofrimento... o que tu achas?



Querida,
erros precedem acertos.

Nunca cometo o mesmo erro duas vezes.
Já cometo três, quatro, 
cinco, seis. 
Até esse erro aprender
que só o erro tem vez.

sábado, 11 de agosto de 2012

EXTRADIÇÃO

Cansei de viver à margem.
Não sobrevivo das migalhas caindo da mesa.
Por isso, acabei de decidir:
Tô te extraditando de mim.

Agosto/2012

EU MIMO VOCÊ

Comprei sapatos magnéticos. Vou caminhar lentamente em ti e dançar um solo de gafieira sobre o piercing no teu nariz. Não quero agir com aspereza, fique tranquilo. Vou tratar da tua aparência. Passarei tua camisa predileta no teu corpo. Gola, braços, costas, punho. Farei vinco, se assim desejares. Continuarei zelando pela tua vida. Acendo uma, dez, cem velas pra tua alma quando estiveres trocando o gás. Não, não se preocupe, é impossível agir em detrimento de promessas, acredite. Pode deixar que eu velarei o teu sono. Vou soprar um apito em teu ouvido, às 4 da manhã, só pra te lembrar do início da partida e que não se começa uma relação pelo fim. Também cuidarei do teu bem estar. Aquele retrato que você não gosta jogarei no chão, ficará em mil pedaços, ficará desfigurado. O espelho é um quebra-cabeça que não dá pra recuperar. O quê? Debochada? Logo eu que só penso em te agradar...

agosto/2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

REPAGINADA

A jovem jabuticaba
cansou de sua escuridão.
Pulou da sua casa-tronco
direto no pé de algodão.

agosto/2012

LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE A CASA

Oie Leminski! Estou com um pé na casa nova. Em breve, será o par. Domo est mundi! E a felicidade é tamanha saber que meu mundo não cabe somente em um espaço de metros quadrados. Minha vida é a poesia, família, amor, meus livros, cachorro, chocolate, café, e por aí vai. Investimos nossas parcas economias a fim de erguer um castelinho de caprichos e delícias. Escolhe aqui, decide ali. Colorimos paredes, pintando desenhos com canetinha. Cada detalhe é precioso e imprescindível. O fato é que a novidade cheira a mar aberto, à estacionar na areia com aquela água toda despejada frente aos meus pés. Me apetece a ideia de batizar a casa nova com um sobrenome, cada cômodo com um nome, o que tu achas? Gostará o lar de ser chamado por uma alcunha escolhida por mim?


Querida, toda casa tem seus mistérios... mas ela torna a gente livre lá dentro.

Liberdade:
vento
onde tudo cabe.



MICROCONTO DA DESERTORA

Fugindo do amor e da guerra interior
guardou o coração na mala
e o despachou para El Salvador.

agosto/2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

AMOR DE JACARANDÁ

Penso em ti.
Nó na madeira
da minha cabeça oca.
Esse amor -
madeira de lei
replantada em tantos outonos,
agora é valiosa.
Arando a terra,
Renovando a sega,
Lambendo a sombra da minha saudade.

agosto/2012

INDECOROSA

Indecente saudade.
Deixa nua
minha felicidade.

agosto/2012

POEMA EM ÁGUA CORRENTE

Poesia é Rio
Pedra
Cachoeira
Riacho.
Desagua 
as ideias submersas
lá embaixo.

agosto/2012

LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE A ANSIEDADE

Olá Paulo, queria desabafar. Sinto-me ansiosa. Isso me deixa ainda mais preocupada porque me ataca a asma. Não gosto que me falte o ar. Tenho sentido algo diferente, aqui dentro ó. Como som de orquestra armorial. O inesperado. Feito criança que retorna da brincadeira cheia de novidade. Uma delícia de manifestação nos braços da manhã. É uma coisa derramada, nada contida. Algo que não tolera ganância. Por fora é pele, for dentro é ouro. A Neide sempre me diz duas coisas: não ama menos quem diz menos e quem gosta quer estar por perto. Você acha que ela tá certa?


Querida,
tens medo do quê?? 

A vida são as vacas 
que você põe no rio
para atrair as piranhas
enquanto a boiada passa.




LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE A SAUDADE

Oi Leminski, tô aqui pra dizer que estou descontente com essa saudade. Me perdoe se por algum momento me achares piegas ou coisa do tipo. Me dê um desconto. É que lendo Fabrício, percebi algo que me fez pensar: "A saudade é a certeza de nossa insuficiência". É verdade. Que poder é esse que ela tem sobre nós? A necessidade da presença e o anseio pela solução imediata que não chega, evidentemente, fazem-me sentir impotente. Não gosto. Na realidade, o que desejo mesmo é estar com as rédeas nas mãos e o GPS na mente pra não deixar o cavalo escolher o caminho. Difícil, inadequada, inconveniente, inoportuna saudade. Bom mesmo é quando ela chega e a gente diz, sem titubear: - Volte mais tarde. E, Pá!!!, bate a porta na cara com tudo porque já se antecipou. Existe um vale-saudade? Antídoto pra falta de alguém? Remédio pra pensamento excuso? A surpresa inevitavelmente me arrasa. Ah! A segurança de saber quem sou, onde estou, para onde vou... Será que conseguirei sentir isso um dia?



Querida,
A saudade nos aproxima de quem é de nosso paladar...

A noite - enorme.
Tudo dorme.
Menos teu nome.






quarta-feira, 8 de agosto de 2012

FUGI SEM VOCÊ

Saí sem recado, com pressa,
por isso deixei a porta escancarada.
Tive que fugir sem você.
É do teu olhar me trancar
o meu medo mais vacilante.
Melhor prevenir.

agosto/2012

LEMINSKI ME ACONSELHA SOBRE MEUS SONHOS

Olá Leminski! Precisava mesmo conversar com você. Hoje tive um sonho. Daqueles que nos flutuam durante o sono e nos arrastam para o penhasco quando acordamos. Estava em uma festa. E aquela pessoa, aquela que é do meu paladar, aparecia, vestida como lua na nuvem. Por um momento nos perdemos. Uma moça me pediu um cigarro - logo eu que não gosto de pitoneiras... Achei um inteirinho dentro de um copo, molhado de vinho. E não é que ela conseguiu acender? Sonhos são bons porque não há impossíveis. Do lado de fora do casarão, já era uma estação de trem. E ele estava lá, pousado na mureta. Camiseta preta, olhos acesos. Um sorriso de "estou aqui só pra te ver". Quando ia me aproximando, senti meu coração batendo forte, no sonho e deitada na cama, tenho certeza de que minha aorta estava a todo vapor. Eu vi aquele olhar e parecia que, naquele momento - eu sei - eu fui laçada. Eu  ri no sonho. Sorri de felicidade e desespero. Nunca havia encarado alguém tão de perto em uma nebulosa dessas da manhã. Quando fui abraçá-lo, o despertador me chamou. Por que, Paulo, por que a gente sempre acorda na parte mais interessante, na mais importante, me diz? 



Querida,
permita-se sonhar.

Minha mão dormiu
e sonhou que a tua
me acenava
de um navio.




PASSARINHO NO FIO... DO CORAÇÃO

Ganhei um passarinho.
Mas não são peninhas quaisquer,
minha irmã me deu.
Acredito, não há nada que simbolize a confiança de maneira tão fugaz quanto isso.
Ela o alimentava. Saciava a sede. Acarinhava.
Não, o passarinho não era dela.
Sempre pertenceu à natureza, somos apenas seus mordomos.
Um dia, papai nos deu passarinhos.
Um para cada irmão.
O meu foi passear e nunca mais voltou.
Ao abrir a portinhola ele ainda acenou pra mim,
quase dizendo: Vou sentir saudades...
Chorei sua falta. Sorri sua liberdade.
Tanto tempo depois, a história se repete.
Uma legado leve, de canto mágico,
olhar assustado como deve ser o de uma boa supresa.
Meu passarinho não é meu, é da minha filha.
Ele é a herança da minha herança.
Acalento, zelo, defendo, protejo.
Porque hoje,
abrindo a gaiola e fazendo carinho nele,
eu descobri que antigamente
tudo cheirava à eternidade.

baseado na história de Joyce, Manu e seu passsarinho, agosto/2012

terça-feira, 7 de agosto de 2012

PRAZER, PAULO LEMINSKI!

Paulo Leminski é um dos escritores que mais me apetecem. Criou coisas tão lindas e que significam tanto pra mim. Desde muito jovem me aconselho em seus poemas e recebo seus haikais como um mimo, um buquê de flores. Por isso, a partir de hoje, me dou ao luxo de bater papo com Leminski. Acho que ele me entende, acho que vai me entender. Portanto, você, querido leitor do blog, não assuste quando aparecer uma conversa com o poeta.


agosto/2012

DAS COISAS A MEU RESPEITO

Existem algumas considerações básicas a meu respeito.

Café -> indispensável
Não dispenso um bom lodo espesso de cafeína. Sou perita. Sei quando está forte demais, quando erraram a mão no açúcar, quando foi requentado. Não gosto de misturar café com outra coisa. Café é café. A história de que a tinta preta deixa a gente desperta, pra mim não funciona. Problemas, amor não correspondido, contas a pagar, isso sim me deixa sem sono. Café, não.

Sono -> imprescindível
Tenho inveja de quem se contenta com 4, 5 horas de cabeça no travesseiro. Eu não consigo. Aliás, para dormir é um ritual: luz apropriada, mil almofadas, edredom fofinho e com cheiro, imaginação,  TV. Penso até o que poderia sonhar naquela noite. Às vezes, dá certo. Gosto de cochilar em viagens; qualquer sacolejo me embala. Não me acorde para o lanchinho da GOL. Pra mim, sonolência pesa mais do que fome no quesito irritação.

Chocolate -> necessário
Não faço promessa por uma gotinha de mel mas me ajoelho por um bom chocolate. A comilança tem início pelo cheiro. E eu não sou preconceituosa. Admiro o trufado, branco, com licor, crocante, meio-amargo, mas fico babando por um com recheio de maracujá e mataria por um 80% cacau. É o alimento dos deuses do carpe diem. Nutela, iô-iô cream e tudo mais também estão na dança.

Livros -> essencial
Sinto inveja dos escritores. Queria ser cada um deles. "Como ele se apoderou dessa ideia que vive dentro de mim?" - vivo repetindo esse mantra. Um bom livro é para ser saboreado em diferentes fases da vida. Aos 15, o livro do Carpinejar tem um sentido, aliás, quase não entenderás nada. Aos 20, o autor é louco, quase devasso. Aos 30, uma descoberta científica. Aos 40, um gênio. No silêncio da leitura é que as coisas aparecem. Quero uma biblioteca gigante, não gosto de me despedir dos meus livros. No máximo, dar de presente. Tenho cíume deles.

Asma -> importante
Não vou a lugar algum sem minha bombinha. Outro dia li que a baixa de oxigênio mata neurônios. Ou seja, se eu não cuidar da minha Asma, emburreço. Por isso, fiz um propósito de usar o inalador uma vez por dia, só com soro. Ele está sempre a postos. Descobri que quando fico nervosa ou muito ansiosa, meus brônquios também se comprimem. Agora, relax total. Preocupação, só em último caso e com o nebulizador ao lado.

Passado -> petrificável
Pra mim, o presságio do horror é ficar lembrando de coisas passadas com aquela saudade que não traz nada, só infelicidade. Tem gente que só falta colocar música do Lionel Richie e saborear as lágrimas vendo fotos antigas, cartas, bilhetinhos, cartões de floricultura. Faço o possível para deixar meu passado em seu lugar, mesmo que ele irrompa em semblante de delicadeza. Gosto de mantê-lo fossilizado.

Ciúme -> controlável
Meus relacionantes sempre foram muito espirituosos, engraçados. Eu pensava: Ah! Vai ser gentil assim lá no inferno! Mas como reclamar do cavalheirismo?? Antigamente, até matutava "Destesto que não me obedeça" já sorrindo por dentro do absurdo que desejava. Sofri muitos desagravos em nome do amor e do bom comportamento. Hoje, mantenho a compostura e o ciúme enjaulado em uma prisão de segurança máxima nas Ilhas Filipinas. Com o tempo, passei a desenvolver cegueira e surdez seletivas. Tem dado certo.

Criação -> incontrolável
Saúde é ter a mente desobstruída. Para criar, não preciso de lugar específico, a música pode estar estar alta e as pessoas falando. De repente no restaurante e pá!, lá vem a ideia. Conversando com a arquiteta, entre cores e papel de parede e pá!, lá vem a inspiração. Basta ter um espaço para anotar. Me derramo sobre as teclas e é tudo muito natural. Costumo dizer que não sou artista, não me considero, mas prolífica assim, é a desforra final da minha vã desconfiança. Não consigo controlar.

Indiferença -> execrável
Melhor seria me esquecer de uma vez do que me tratar com indiferença. Muito pior do que ser odiada é ser ignorada. Os que são indiferentes a mim, incluo a todos como figurantes do Thriller. Tenho raiva de quem faz olhar blasé sem uma gotinha de suor; vira o rosto de propósito; põe óculos escuros pra disfarçar o crime. Quem inventou que indiferença é modernidade??

Cachorros -> fundamental
Ando na rua, procurando cachorros para agradar: é quase um TOC. Sorte minha que nunca levei uma dentada de algum cãozinho maltrapilho. Em geral, eles são bastante solícitos, reconhecem a simpatia e estendem a pata quase sorrindo. Tenho mania de cuidar dos cachorros dos outros. Havia uma época em que eu conhecia 'todos' o cães que viviam em uma rua que era minha passagem obrigatória para o trabalho. Eu diminuía a velocidade só pra verificar se estavam todos bem. Às vezes, parava em uma casa ou outra para conversar com os mais simpáticos. Hoje, Magali reina absoluta em meus sonhos, no pé da cama, em meu coração.

Amor -> vital
Essa é a melhor parte da vida. É no amor que eu traduzo o que me embaralha. Pra mim, é uma cartografia generosa e a diferença está, justamente, como seguimos esse percurso. É sempre uma boa supresa. Arrebenta os laços que imaginávamos. Coisa mais linda é viver o amor sem adiamentos nem desculpas. Ele acontece. O amor nunca está cansado.

agosto/2012

UM DIA PERFEITO

Hoje deu tudo errado. Dormi em cima do braço e acordei com a mão formigando. O canudo do meu Toddynho afundou bem no meio do caminho. Tropecei na avenida, dei aquele pulinho de quem vai começar a trotar e não teve jeito: o homem do milho viu e deu risada na minha cara. Fui fazer carinho em um cachorro de rua que rosnou pra mim, se insultou com o "ó, coitado!". Fui enviar um e-mail engraçadinho e justamente nessa hora, meu chefe apareceu pra pedir alguma coisa. Bah! Que dia comprido, o que mais pode acontecer? Fui apreciar um cafezinho com bolo de fubá mas ele saiu frio da garrafa térmica e eu dei um gole.  Na saída do trabalho, vento e chuva e eu de regata e meus pés esparramados em uma rasteirinha. Mas daí, virei a esquina, encontrei você e o dia inteiro valeu a pena.

agosto/2012

ESBOÇO DA VIDA ALHEIA

Se cansou de tanto programar a própria vida.
Isso nunca foi seu forte.
Nunca dava certo.
- Eu me sinto tão perdida... tão confusa...
- E quem não se sente? - ele respondeu.
Então, sentaram-se na areia, apreciando o pôr-do-sol
e planejando a vida das pessoas que caminhavam por ali.

Da série "Diálogos delirantes", agosto/2012

MICROCONTO DA COLECIONADORA

Saiu com uma sacola 
recolhendo
olhares apaixonados pela rua.

Agosto/2012

NÃO SEJA MENDIGA CONTEMPORÂNEA

Há algum tempo aprendi que ficar mendigando a presença dos outros é algo contra a natureza humana. Quem o faz, se mutila sem perceber. Descobri que devemos valorizar as pessoas que merecem o crédito, mas lamber as mãos e escutar um "sai pra lá" já é demais. Fico louca da vida quando vejo essa cena nas ruas, no restaurante, no shopping, na livraria. Minha vontade é dar um pulo bem no meio do casal, esticar o dedo no nariz do palhaço e da moça e falar-lhes umas poucas e boas. E ainda dar uma piaba no meio da testa dele, avisando: - Nunca mais faça isso! Mas Deus deu a cada um a própria vida para que possamos cuidar dela...O fato é que ultimamente há muitas mulheres que têm deixado a situação difícil para todas as outras. São aquelas que aceitam todas as provocações, contrafeitos, silêncios e demais arrogâncias "em nome do amor". PelamordeDeus! Amor não é isso, minha gente! Amar alguém - seja esse "amor" um apaixonamento, um caso à toa, um namoro sério, um namorico, um casamento - é respeito, doação, admiração. É estar junto sem, contudo, estar preso. É não criar caso por conta da pasta de dente apertada na metade. É costurar bem-querer na rotina não em ponto cruz, apenas alinhavando esse cotidiano. Meninas, não aceitem o troco em balas. Não se satisfaçam com qualquer chocolate com gosto de sabão, escolham o melhor, aquele de qualidade, que a gente come ajoelhada. Na dúvida, faça uma extravagância e passe na Kopenhagen pra se deliciar, tenho certeza de que vocês entenderão o que eu vos falo.

agosto/2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O DIFERENTE

Ele era um exemplar raro,
despertando a curiosidade alheia.
A comunidade científica o analisava com visível ansiedade.
Os últimos acontecimentos
desencadearam uma reação na comunidade
que não será exagero classificar de terrível.
Atônitos, todos tentavam compreender
aquele homem
capaz de aguentar a sujeita,
ofertar-lhe flores e chocolates,
dedicar-lhe seus livros
e amá-la.

Para Saramago, agosto/2012 

domingo, 5 de agosto de 2012

RIMA

Queria fazer uma rima coerente,
pra te deixar orgulhoso e 
pensares que sou diferente.
Criei, então, um poema 
com uma verdade semitransparente.
Evoluí, escrevi sobre a paz mundial e
perdoei até o malquerente.
Mas no meio do caminho,
a saudade me deixou, assim, aderente.
De tanto fingir que não ligo
abandonei meu coração, ficou carente.
Taí o resultado
de querer ser irreverente:
todo mundo tem notado,
o meu amor por ti já está ficando aparente.

agosto/2012

MINICONTO DA APAIXONADA

Falaram para o rapaz que vinho fazia bem ao coração. O moço, então, decidiu tomar um gole da tal bebida rubra. Ela nem pestanejou: pulou na taça pra viver dentro dele.

agosto/2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

CARTA PARA DEUS


Querido Deus,

Queria apenas dizer que hoje você caprichou neste fim de tarde. Céu rosinha com tom de branco, de azul bebê...Que paleta é essa que você usou? Combinou tão bem tudo ali no firmamento que parecia mesmo um quadro suspenso. Olhando dessa janela, consigo, ainda, ver as palmeiras rodeando a sala em que trabalho. O vento quente fora de hora também tem tudo a ver... o vai e vém da folhagem me remete a uma paz quase indescritível, porém, quase paupável. A impressão que tenho é que se eu esticar meu braço e tocar ali, também ficarei boiando... Obrigada, Deus, por me proporcionar tão bela pintura que se transforma... E matutando assim, te digo que há mais tecnologia nisso que você criou do que naqueles cérebros eletrônicos que fazem quase tudo. Uma obra que vai se modificando sozinha e que só termina quando eu fechar meus olhos ou mirar em outra direção. Você é o meu Monet! Amo você,

beijos,
Mô.



agosto/2012

A LEITORA

Sempre adorou ler, desde pequena.
Devorava prosas, deliciava-se em poesias,
embarcava em aventuras inusitadas.
Quando lia,
lambia o dedo para alcançar a próxima página.
Era perita em salivar as histórias.
E aconteceu assim.
Quando conheceu aquele broto especial
entregou um livro nas mãos dele e disse:
- Então, beija-me.


agosto/2012

ASMA AMIGA


Costumo dizer que devo muito de quem sou à minha asma. Foi ela quem me ensinou a respirar compassado, a ter um pouco mais de calma. Entender que muitas vezes sou obrigada a depender do outro. Reconhecer que falho, que meu corpo não me obedece, que não mando no meu nariz nem nos meus pulmões. A não ser explosiva diante do que está em perigo, contrariando as teorias de Nietzsche. E, olha, pra sentir essa falta de ar extensa não é preciso um gemido grego antes de começar. Minha asma me invade, praticamente manda em mim. É como se fosse atravessada pelo esterno. Ela coloca-me em lugar de destaque, de simples mortal. No sono, leva-me a mergulhar e ser barrada por uma pedra gigante que impede que eu suba à superfície. Minha asma conversa com meus sonhos. Eles são amigos. Quando está presente, nega-me uma das mais naturais reações humanas, aprendida por qualquer recém nascido: inspirar, expirar, inspirar, expirar... Todo asmático odeia comercial de margarina porque felicidade não é aquilo, felicidade é respirar, é viver, é amar. Aaaaaaaah!!


Cadê minha bombinha??, agosto/2012   

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

I AM WHAT I AM

Coisa mais chata se interessar por gente linear, sem tropeços nem ondulações. Quem não tem crise, não tem perguntas, não cai no ridículo. Gente que lê Valor Econômico, põe a roupa no cesto, não deixa os sapatos jogados na sala. Que me livrem dos resolvidos! Bacana mesmo é encontrar alguém pra conversar na mesma medida, seriamente e sobre amenidades, não ter suspeita pra falar a opinião, criar mal entendidos e resolver tudo depois com um beijo. Legal é saber que quem está aí junto não vai colocar o abraço pra lavar nem negar um selinho no pescoço; isso já seria avareza. E também nem desejo um companheiro fantasma. Eu viva e ele morto, ambos tentando se comunicar. Até porque o defunto não tem futuro, só passado. Já pensou que porre trilhar o caminho da segurança e nunca ter uma surpresa pra contar à noite? É por isso que eu te aviso: num dia eu desenho caveira, no outro, um coração. Dou ultimato. Acaricio teu rosto. E nem vou desistir da minha personalidade. Se tens medo, nem prossiga. As respostas virão do impasse e da encruzilhada. Aceito escutá-las. Eu quero afeto. Mas, olha, não ponha a mão no meu umbigo porque eu não gosto.

agosto/2012

A VIVA E O MORTO

Apaixonou-se por um homem que ela acreditava estar vivo,
mas que na verdade havia morrido há anos.
A pobre insistia na relação abismal.
O falecido não correspondia.
Não tinha como.
Morto não tem forward, só rewind.
As flores que ele entregava,
mal sabia a moça,
vinham direto do cemitério das lembranças dele.
Eram os crisântemos depositados na lápide.
A viva era enganada, deixava-se enganar,
queria passar o dias enganada.
Preferia a relação zumbística a dizer adeus,
não queria despencar mais uma vez.
Para o defunto, tudo bem,
ele não tinha nada a perder.
Já estava morto mesmo...

agosto/2012

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

QUERO SER PASSARINHO

Os passarinhos é que têm vida.
São livres, não batem cartão de ponto,
não vão ao supermercado,
não ficam gripados,
não sangram uma vez por mês.
Vêem a humanidade do alto.
São capazes de pronunciar vôos rasantes,
desviando até mesmo das gotas de chuva.
Os passarinhos são generosos.
Suas casas estão suspensas
mas nem por isso pagam condomínio.
No máximo, dividem o galho com outra família.
Tudo em harmonia. Tudo em paz.
Os passarinhos é que têm sorte.
Nascem com as perninhas tortas para trás
e não reclamam.
É justamente esse pequeno defeito
que mantém-nos em pé, até no sono.
Vai você, sujeito simples,
tentar cochilar encostado em árvore...
Os passarinhos é que sabem aproveitar o dia.
Acordam para cantar.
Passam a quarta-feira a procura de minhocas,
alimento saudável e digno, que ara a terra.
Banham-se ao sol matinal,
em qualquer poça d'água.
Carro passando, vai e vem de gente,
nada incomoda seu mergulho de beleza extrema.
Inundam-se com a pouca alegria
que lhe é destinada.
Cantam. Alimentam-se. Cochilam. Voam. Observam. Vivem.
É por isso que eu digo:
os passarinhos é que são felizes.

Hoje, observando um deles a banhar-se próximo ao meu trabalho, agosto/2012

LEVE

Ela não tem pressa pra nada.
Movimenta os cílios devagar.
Pisca e é como se estivesse em transe.
Até o coração bate lento,
porém forte. Parece, vai sair pela boca.
Foi assim, aconteceu de repente.
Um dia, sentiu a cor do amor a invadir.
E as possibilidades de felicidade,
todas elas,
existem agora.
Flutua ao caminhar.
Ela é uma pluma, uma bolha de sabão,
lenço de papel, mini-clip,
retalho de seda, isopor, uma pulga,
um pelo de gato boiando no ar.
É como se toda humanidade fizesse sentido.
Sente a alma inundada,
uma enchente de bons sentimentos.
Felizes, verdadeiros, serenos.

agosto/2012